Na cidade de Santos, no litoral do estado de São Paulo, alguns prédios são bastante conhecidos por um fato muito curioso na visão dos turistas: eles são visivelmente tortos, inclinados. No entanto, os moradores não vêm da mesma maneira. Não é só janelas e portas que não fecham, objetos que deslizam ou o desconforto visual e arquitetônico que incomoda os moradores, mas também a desvalorização dos imóveis, já que um apartamento em um desses edifícios têm um valor muito menor do que os demais.
Em Santos existem cerca de 100 edifícios, construídos entre 1950 e 1975, que apresentam inclinações que podem chegar a 2º. Este valor parece pequeno, mas devido a altura dessas edificações podem causar desaprumos na ordem de 1,5 a 2 m. Então, imagine só a cobertura do último pavimento estar deslocada 2 m da lateral do prédio! Agora você concorda que não é uma leve inclinação, não é mesmo?
Mas antes de falarmos como nós, projetistas geotécnicos, podemos tentar consertar problemas como este, eu te pergunto: você sabe qual foi a causa dessas inclinações?
A resposta é simples: o adensamento do solo. O adensamento é um fenômeno de variação volumétrica no maciço que ocorre ao longo do tempo, em solos finos. Uma vez que você tenha no perfil de solo a presença de uma camada adensável e negligencia os cálculos e avaliações do recalque por adensamento, pode acabar caindo nos mesmos erros dos engenheiros da época da expansão vertical da orla de Santos. Tudo bem que naquela época, por meados das décadas de 40 e 50, as sondagens não eram bem desenvolvidas e as poucas que existiam tinham inúmeras limitações. Além disso, seguia-se muito a máxima que hoje sabemos não ser muito assertiva: “ah, sempre fizemos assim, pode continuar fazendo, vai dar certo”.
Naquela época, era bastante comum que as fundações superficiais alocadas na primeira camada de areia compacta presente naquele local. Pra obras que impunham pequenas cargas, como edificações térreas ou sobrados, o bulbo de tensão que a construção gerava não atingia a camada adensável e o recalque praticamente se limitava ao recalque imediato do solo. No entanto, ao aumentar as cargas das construções, construindo edifícios com vários pavimentos, o incremento de tensão passou a alcançar a argila marinha, presente a mais de 10 m de profundidade.
Como continuaram a fazer fundações superficiais e cada vez mais prédios foram sendo construídos, um ao lado do outro, sobrepondo os bulbos de tensões individuais, o adensamento do solo começou a ocorrer de forma mais rápida. Para ficar mais fácil de entender pense assim: sabemos que o adensamento, ou a variação dos vazios do solo (que consequentemente muda o volume do maciço), é proporcional a carga. Se em uma dada região do solo, em profundidade, há a sobreposição de dois bulbos de tensão, nesta região o adensamento é acelerado, ocasionando então um recalque diferencial na edificação. E é exatamente isso que vemos em inúmeras construções lá em Santos.
E talvez você esteja se perguntando, “mas o que poderia ter sido feito de diferente”? Ou “como não cometer o mesmo erro?” Você deverá fazer um estudo de sondagem. Em seguida, constatada a possibilidade de ocorrer este tipo de sobreposição e de recalques diferenciais, você deve propor uma solução onde a sobreposição não ocorra, por exemplo, condicionando em seu projeto que sejam feitas fundações profundas. Ou, mais do que isso, se não houver mesmo a possibilidade de fazer fundações em que os bulbos de acréscimos de tensões não se encontrem, realizar os cálculos adequados quanto aos recalques aceitáveis, considerando, por exemplo, a norma de desempenho, e equalizar os possíveis recalques diferenciais que você encontrar.
Por isso, é importante saber que temos como estimar o que acontecerá com a nossa obra, a partir do estudo adequado das características do solo e a previsão de seu comportamento!
E só para finalizar essa nossa conversa queria contar a você também que há hoje tecnologia suficiente hoje para solucionarmos este problema da engenharia, gerado há décadas. Muitos prédios da cidade de Santos já passaram pelo que chamamos de reaprumo da edificação. A ideia parece simples: ergue-se o prédio com o auxílio de grandes macacos hidráulicos, refaz-se as fundações (agora com uma fundação que não sofrerá mais o mesmo recalque que a anterior) e em seguida coloca-se o prédio sobre estas novas fundações.
Você já deve imaginar que isso não é nem fácil e nem barato de se executar, não é mesmo? Deve-se contar com um projeto muito bem elaborado, uma equipe multidisciplinar e um acompanhamento muito rigoroso da obra para que nada dê errado. Imagine só um cálculo errado e você tombar um prédio sobre outro! Nossa! Realmente isso é uma grande responsabilidade para aqueles profissionais que aceitam esses desafios e que se capacitaram para superá-los… Profissionais como você, que está aqui sempre buscando se aprimorar!
Autoria: Flávia Gonçalves Pissinati Pelaquim
Revisão: Alana Dias de Oliveira